Sobre as atmosferas dos exoplanetas, o que sabemos? E o que não sabemos?

O que acontece na atmosfera de um mundo gravitacionalmente amarrado na zona habitável de uma anã vermelha? Há um trabalho sólido que sugere através de simulações que há condições de habitabilidade a existir por lá, mas também é verdade que estamos na fase inicial das investigações e ainda não temos exemplos concretos para trabalharmos. Tirar conclusões precipitadas é sempre perigoso, principalmente quando estamos falando sobre detalhes da circulação atmosférica em um exoplaneta que ninguém jamais observou diretamente.
Exoplaneta em Gliese 581 visto por sua exolua. Como é que a sua atmosfera se comporta? Crédito: Lynette Cook

Vamos tomar, por exemplo, o recente caso de Gliese 581g, supondo que este exoplaneta realmente exista (há controvérsias quanto a isso, ou seja, a descoberta de Gliese 581g ainda carece de uma confirmação independente, veja a situação aqui na enciclopédia de exoplanetas), podemos colocá-lo na zona de temperatura que favoreça a vida. Há um fato que não sabemos, entretanto, se estamos falando aqui de um mundo aquático coberto inteiramente com profundo oceano, um exoplaneta que migrou de uma região além da linha do gelo para sua posição atual. Por outro lado, se até mesmo supormos que Gliese 581g seja um exoplaneta rochoso, com uma atmosfera substancial, nossas simulações da circulação atmosférica apenas representam o melhor que conhecemos. Isso é apenas o início deste jogo e devemos esperar surpresas.
Impressão artística mostra a área mais aquecida do exoplaneta Upsilon Andromedae b, que não reside na área sempre voltada para sua estrela, como era de se esperar em sistemas gravitacionalmente amarrados. Inexplicavelmente a mancha quente se situa 80 graus de longitude afastada da região mais próxima da estrela. Os astrônomos estão 'coçando suas cabeças' para resolver este enigma. Crédito: NASA/JPL


Uma lição de um “Júpiter-quente”

Um exemplo instrutivo é o caso do exoplaneta Upsilon Andromeda b, que, embora não esteja obviamente em uma região habitável (reside em uma órbita tipo ‘Júpiter-quente’, amarrado gravitacionalmente a sua estrela, um sol da classe F, com um curto período de 4,6 dias), gerou informações úteis sobre as condições da sua própria atmosfera. A noção presumida de que um exoplaneta “preso gravitacionalmente” deverá ter a sua região mais quente no centro da face voltada para seu sol tornou-se falsa, a discrepância observada neste sistema é notável.. As observações recentes através do Telescópio Espacial Spitzer nos informam que ‘ponto quente’ em Upsilon Andromedae b está desviado de 80º de longitude da posição do exoplaneta mais próxima da estrela ou seja, está ao lado do exoplaneta. O local mais quente não é a área voltada para a sua estrela!Ian Crossfield, principal autor do artigo, declarou sobre a descoberta em Upsilon Andromeda b: “Nós realmente não esperávamos encontrar um ponto quente com tão grande deslocamento. Está claro que nós entendemos até menos ainda sobre a energética atmosfera de Júpiter quente do que antes pensávamos.”  O cenário encontrado em Upsilon Andromedae b é, portanto, um sinal de advertência, sobre os perigos dos excessos de extrapolações. Devemos considerar a ciência atmosférica de um exoplaneta, em todo caso, como uma disciplina ainda ‘recém-nascida’. Além das simulações atmosféricas em exoplanetas orbitando anãs vermelhas (Joshi, Haberl e Reynolds na NASA Ames Center fizeram o primeiro trabalho sobre isso em um artigo de 1997, na Icarus), temos nos concentrado quase inteiramente no estudo de Júpiteres quentes, usando seus trânsitos quando disponíveis para conhecer suas composições atmosféricas. Nós já encontramos água, metano, dióxido de carbono e monóxido de carbono em suas atmosferas, em uma série notável de investigações.
PIA13493 - exoplaneta Upsilon Andromedae b - a curva de calor medida pelo Spitzer mostrou onde fica a região quente deste exoplaneta, deslocada 80° da posição onde teoricamente deveria residir. Crédito: NASA/JPL/Caltech
O observatório Spitzer mediu a luz total do exoplaneta Upsilon Andromedae b e sua estrela na faixa do espectro do infravermelho e descobriu uma distribuição de temperatura incomum. O sistema torna-se mais brilhante quando o exoplaneta está ao lado da estrela visto da Terra, e não quando ele está por trás da estrela, mostrando seu lado voltado para seu sol (Upsilon Andromedae b não realiza trânsito). Compete aos especialistas teóricos buscar uma solução para este último enigma atmosférico. Nas razões estão propostas desde as interações magnéticas exoplaneta versus estrela até os efeitos dos ventos supersônicos, mas suspeita-se que iremos em breve ouvir sobre novas possibilidades.

O perigo de se presumir prematuramente

Vamos voltar para a questão do exoplaneta orbitando uma anã vermelha. Temos que ser cautelosos ao fazer suposições tanto sobre o ainda não-confirmado exoplaneta Gliese 581g quanto sobre qualquer outro exoplaneta a ser descoberto orbitando na zona habitável de uma anã vermelha. Podemos ser até otimistas, mas há cenários com possibilidades que ainda desconhecemos. Suponhamos então que Gl 581 g seja, na verdade, um exoplaneta oceânico. O artigo escrito por Timothy Merlis e Schneider Tapio (Caltech) oferece resultados encorajadores sobre exoplanetas oceânicos bloqueados gravitacionalmente com temperaturas moderadas e uma super-rotação de sua atmosfera que mantém um clima ameno (curiosamente, neste estudo, as partes mais frias do exoplaneta
são os pólos e não o ponto anti-estelar).

Cautela é o que nos resta…

É possível que um mundo rochoso na zona habitável seja igualmente moderado em suas temperaturas? Os seus padrões de precipitação iriam seguir as regras sugeridas por Merlis e Schneider para um mundo aquático? Podemos especular tudo o que quisermos sobre o ciclo hidrológico e assim por diante, mas é o encontro entre a teoria (e as simulações) com os dados observacionais que abastece o desenvolvimento cientifico, já que hoje só temos um caso conhecido, o de Upsilon Andromedae b. Até o dia em que tivermos coletado uma coleção de observações sobre exoplanetas amarrados gravitacionalmente a anãs vermelhas (além dos dados indiretos onde aparecem inseridos como fantasmas nas detecções pelo método de velocidade radial), a cautela contínua ao inferir sobre sua habitabilidade deve nortear as nossas estimativas.

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